segunda-feira, 13 de junho de 2011

Cigarros na Câmara de Gás


Imagine um mundo onde fumar, além de ser completamente permitido, ainda era estimulado. Carros de corrida, propagandas, esportes radicais, cigarro associado à liberdade, à vitória, a carros, a mulheres... fumar era ser adulto e bem sucedido, na década de 80. Eu tinha doze anos quando comecei a filar cigarros dos meus pais ou de outras pessoas. Comecei a fazer isso na mesma época em que queria desesperadamente crescer e fazer coisas que os adultos ao meu redor faziam, entre um cigarro ou outro.
Morávamos no bairro do Paraíso, em São Paulo. Mudamos para o Paraíso em 1977, quando minha mãe decidiu dar um "salto" em nossa qualidade de vida, na visão dela, deixando para trás o bem menos "chic" bairro do Pari, onde morávamos até então. Em 1980, fomos para um novo apartamento, também no Paraíso, onde vivi até meus 27 anos.
Em 1982 eu tinha 12 anos, e no meu edifício moravam diversos garotos entre 8 e 14 anos. Um dia, resolvi mostrar a um amigo que eu era "fumante". Fomos ao "Gás", um antigo depósito de botijões, da época em que não havia gás encanado. Era um corredor feito de concreto, dividido em três partes, com uma meia laje que impedia os botijões de tomarem chuva, mas aberto, impedindo que qualquer vazamento se tornasse uma tragédia.
Como não havia mais função para o "Gás", a mulher do zelador do prédio, o Ferreira, pendurava roupas para secar ali. Também servia de depósito para restos de obras, como tijolos e areia.
Bem, em pouco tempo, quase todos os garotos do prédio se encontravam no "Gás" para fumar, falar de suas vidas, falar de mulheres, de suas experiências de puberdade... cada um juntava suas moedas para ir ao bar ou à padaria comprar cigarros "para o pai". Marlboro e Galaxy eram as marcas mais desejadas, mas ninguém recusava um John Player Special (JPS), Parliament (com seu filtro furado) ou um bom mentolado. Escondíamos os maços em meio aos tijolos e buracos nas paredes do "Gás", juntamente com as revistas e outras tralhas, como bolas, cinzeiros e até jogos. E o "Gás" passou a ser o nosso clube, talvez um dos melhores clubes das nossas vidas.
Porém, parece que tudo o que não é dito e oficializado é menos complicado... decidimos transformar o gás num verdadeiro clube. Fomos falar com o Ferreira. A ideia era colocar uma porta e telhas no último terço do "Gás". Ferreira concordou em ajudar, embora achasse que a bronca sobraria para ele...
A porta seria uma grade de alumínio velha jogada no "Gás". Mas a parede onde seria colocada a porta necessitaria de tijolos, e ainda tínhamos que providenciar as telhas. Não foi difícil. Em frente ao prédio havia uma reforma de uma casa que viria a ser a "famosa" "Presto Pizzas", hoje em outro endereço. Bem na frente da casa, uma pilha de tijolos lindos e novos perdera algumas peças, das quais ninguém sentiu falta até hoje. E as telhas foram herdadas de uma demolição.
|Ferreira agiu rápido, e a porta foi logo colocada. Mas as telhas geraram insegurança, pois o "Gás" era bem visível da casa da Síndica... que já havia percebido a movimentação no local.
Quando a porta foi erguida, a briga pelo clube começou. As telhas nem chegaram a ser colocadas de modo fixo, apenas apoiadas, mas como havia o perigo de elas caírem para o prédio vizinho, foram retiradas.
Até que um dia, a Síndica, com base em algum estatuto do condomínio ou da lei que regia condomínios, nos proibiu de continuar frequentando o clube, ou de fomentar a ideia do clube, não me lembro bem.
No entanto, o clube foi desfeito mesmo quando um dos garotos confessou à mãe que ele, seu irmão e todos nós nos reuníamos para fumar. Essa mãe falou com a mãe de todos os outros, esses garotos foram proibidos por um longo tempo de frequentar o térreo ou a casa dos amigos, e fim.
Uns 6 meses depois, o irmão mais velho do delator, tendo passado suas férias em Santos, me procurou. Nessa conversa, ele disse que eu, na verdade, não sabia fumar, pois não tragava, o que era verdade, embora eu nem soubesse que tal façanha era possível. Então, ele me ensinou que tragar era levar a fumaça ao pulmão. Para que eu provasse mesmo que estava tragando, teria que aspirar a fumaça, dizer a frase "fui no mato buscar lenha, fiz o fogo, olha a fumaça", e ai sim, soltar.
Poucos anos depois, o gás foi demolido, talvez com um maço de cigarros ou outro ainda escondido entre seus escombros. Eu fumei até 2007 regularmente, depois de modo mais esporádico, e hoje não mais. Sem querer me enganar, sempre sentirei falta. Como vi uma pessoa dizer, parar de fumar é como perder um amigo, que ouve você nos piores momentos. No caso, é um amigo que provavelmente vai te matar algum dia, mas ainda assim, você quer sua amizade tóxica.

2 comentários:

Denise disse...

adorei o relato. fumar escondido era o máximo da contravenção!

Anônimo disse...

Lebro bem dos esquemas que fazíamos para fumar no Sarandi. Iamos na escada do prédio do tubarão, na escada que dava na casa das máquinas, um monte de "mocós". Parei de fumar em 1999 quando minha esposa estava esperando minha primeira filha, mas ainda hoje sonho que estou fumando. Este seu relato trouxe, além da memória "nicotínica", uma memória emocional, dos tempos da pré adolescência. filho da p... me deu vontade de fumar!