quarta-feira, 9 de março de 2011

O Olhar que não Vê o Coração

"Hamsa" ou "mão de Fátima"
na Simbologia Islãmica


Sempre me falaram que, na Síria, se você olhasse para uma menina, tinha que casar. É claro que era um exagero, mas você pode imaginar o peso de um olhar em um mundo muito mais contido, onde insinuações contam quase tanto quanto toques.

Em uma aldeia sem praça, um apanhado de casas, a diversão dos rapazes era beber e fumar na casa dos outros, ou então andar de mãos dadas pela estrada que rodeava o vilarejo (sim, rapazes heterossexuais) trocando confidências ao pôr do sol e arriscando um olhar às meninas que faziam a mesma coisa, na mesma hora.

Charif, meu primo cristão, havia se encantado por uma linda morena muçulmana. Muçulmanos em uma aldeia predominantemente cristã eram discriminados ou, ao menos, não eram escolha aceitável para jovens cristãos, na cabeça de suas mães cristãs.

Era minha última noite em Bedada, resolvi dar uma festa de despedida, e meus primos e amigos dançavam dabki, bebibam Arak e conversavam animadamente em torno da mesa comprida que improvisamos. Em dado momento, Charif me chama e pede que eu vá até o portão da casa com ele. Então a morena muçulmana entra, linda. Ele entrelaça a mão com a dela, olhando-a de frente, olhos nos olhos, faz algumas juras de amor, ela fica tímida, eles trocam um beijo rápido e ela sai. Eu fui o álibi do Charif. Entendi naquela noite que o mundo árabe, mais precisamente o coração árabe, é cheio de sutilezas que a mente ocidental melhor dizendo o olhar ocidental, custa muito a entender. O olhar ocidental não enxerga o coração árabe.

Charif tinha passado por diversos tratamentos, mas o câncer que carregava era muito agressivo, já havia custado a ele um braço, mas ainda avançava. Dois anos depois da cena que narrei acima, o jovem e apaixonado Charif morreu, muito antes de eu imaginar um dia contar um pequeno trecho de sua história.

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