Quem saiu do Brasil consegue perceber-se melhor como brasileiro quando encontra outro brasileiro. Para estar perto dos conterrâneos, é capaz de escutar o samba que não ouvia aqui, ou assistir ao futebol sem ser fã. Só para estar perto. Isso em uma viagem de curta ou média duração; Quando o caso é um exílio, o imigrante sofre mais. E busca ainda mais estar junto dos "iguais".
Meus pais e avós conviveram com amigos vindos dos países árabes. Alguns deles já eram amigos por lá, mas outros tornaram-se amizades pela conveniência de se falar a mesma língua em um país estranho. Desde que nasci, ouço falar daqueles que "são da colônia". A colônia árabe no Brasil é uma das maiores colônias de imigrantes do Brasil - acho até que o Brasil é uma das nações com maior quantidade de árabes no mundo...
Quando se vive numa colônia, frequentamos os outros colonos, suas casas e seus comércios. A língua árabe torna-se um código secreto para poucos iniciados, pois afinal ela é a tradução mais próxima de pátria que esses exilados conhecem - a língua é uma pátria portátil...
A colônia une cidadanias, religiões e facções diferentes. Há quem ache que este é o efeito Brasil, esse mosaico de nações que é nosso país. Eu acho que é a distância. O distanciamento dos problemas faz com que o imigrante tenha uma visão de observador e não mais participante de um determinado confilito. Ele pode até manter sua posição, mas a bomba dificilmene explodirá na sua cara estando ele aqui e a bomba lá.. E esse distanciamento não vale apenas para conflitos, a própria fé pode ser abalada, se os membros de sua congregação estiverem longe demais para julgar seus passos.
A colônia mantém um pouco de tudo isso. em uma intensidade normalmente menor. Isso não impediu que meu pai e outros membros do exilado Caumi Sírio fundassem aqui sua sede provisória, trazendo junto todas as suas calorosas discussões sobre objetivos e métodos, passionalmente discutidos e normalmente sem muito objetivo ou método. Muitas dessas reuniões foram na minha casa, sob o efeito de muita cafeína, nicotina, e biscoitos de visita.
A tradução literal de "Bet Hajjar" (ou "bêit", ou "bait", dependendo da pronúncia) é "Casa dos Hajjar". Somos resultantes de nossas raízes e da interação deste conhecimento herdado com o processo de assimilação da figura do outro. Quando essas raízes mudam de terras, muitos dos nossos referenciais mudam. Estes textos são expressões livres de memórias que me são muito caras, e que influenciaram o que sou hoje.
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
A Colônia
Eu sou muitas coisas, incluindo alguém que não curte minicvs. Comunicador social, com pesquisa de mestrado sobre como a mídia mostrou a guerra na Síria, com ênfase no Oriente Médio... mas não sei se isto explica os textos (ao menos até Agosto/2012). Desde 2016 vivo em Helsinki, Finlândia, e venho postando timidamente histórias e observações sobre o mundo sob esta nova perspectiva imigratória.
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