quinta-feira, 17 de julho de 2008

Suria

meus avós tiveram três filhos que morreram depois de algum tempo, entre minha mãe e Súria (significa Síria, em uma pronúncia talvez libanesa, pois que eu saiba a pronúncia correta deveria ser Suríia, com acento no primeiro "i"). Acharam que Súria seria mais um caso: magrinha, fragil, com rítmo calmo, ela parecia viver no próprio mundo. Foi minha madrinha, e acho que essa responsabilidade fazia com que ela fosse um tanto mais rigorosa comigo em minha educação, ou ao menos tentasse ser. Enquanto Aliçar era quase minha irmã mais velha, Súria era mesmo uma tia que assumiu a sua parcela de responsabilidade na minha criação como uma tarefa séria. Ela se preocupava com minha gula e minhas escapadas para comer... criado com uma certa liberdade no tempo em que "se amarrava cachorro com linguiça", antes dos 6 anos eu podia sair de casa e visitar os vizinhos das calçadas contíguas, sem atravessar as ruas. E eu fugia para a casa da mãe da Emília, amiga da Súria, e da Fatinha, amiga da Aliçar. Essa senhoa me preparava lanches, me dava bolo, banana e outras guloseimas. Quando Súria vinha me buscar eu enfiava tudo na boca e ela me perguntava, brava: "o que você tá comendo?", e eu, obviamente, respondia, de boca lotada: "nada...".
Súria gostava de pintar, estudou na Panamericana de Artes e realmente era boa com pincéis. Infelizmente hoje não pinta mais. Foi conosco para a Síria no ano novo de 79 para 80, e quando voltamos ao Brasil ela foi ao Líbano e resolveu ficar. Acabou vivendo a guerra civil de 1982, entre falangistas cristãos pró-israel e muçulmanos pró-síria, assistindo assim à destruição de Beirute, a "Suíça do Oriente", apelido que ganhou pela grande presença de bancos criados com o dinheiro do petróleo do Oriente Médio.
Súria se casou com Nicolas El Haber, e após a guerra de 1982 vieram ao Brasil, tiveram uma filha chamada Andréia, e voltaram ao Líbano. Em 88 vieram e ficaram aqui definitivamente, e nasceu Gabriela. Nas noites de ano novo, quando passávamos na praia, me vem à memória a imagem de Súria abraçando Andréia, ambas com medo, debaixo de fogos de artifício que lembravam explosões bem menos comemorativas.

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