segunda-feira, 4 de julho de 2022

Envelhecer e des-existir


Envelheceram enquanto eu des-existi. O livro que me oferecem, o prato que me oferecem, a casa que me oferecem, nada é meu, e eu não sou dessas coisas. Mas ao mesmo tempo sou. O imigrante é o Gato de Schrödinger, ele está ao mesmo tempo vivo e morto, faz e não faz parte do mundo que deixou. "Você não sabe como é que está isso aqui", dizem. Eles envelheceram, viveram a vida no tempo certo; eu des-existi, deixei de existir na realidade daqui, não estou mais na lista, "não sei como é". E dali, do outro lugar, nunca serei completamente. Mas ali tenho um lar e um (aparentemente) válido porquê que me convence a seguir.

Alguém disse que viver é correr em direção da morte. Parafraseio: Visitar o Brasil tem sido, desde o primeiro dia, viver em direção do portão de embarque. Desde que cheguei que vivo na iminência do dia da partida, e não era esse o plano. Quando encontro alguém, imagino quando verei esse alguém de novo, e o que perderei no espaço entre encontros, se houver novos encontros. Me lembrei do filme "Quando Você Viu Seu Pai Pela Última Vez?" (2007). Em janeiro de 2007, fazia pouco mais de dois anos. Parafraseio novamente: Quando você se sentiu parte pela última vez?

Eles envelheceram, eu des-existi: formas de transcendência, paralelas que só se encontrarão no infinito. E por quê? Porque a imigração rouba uma temporalidade, além de deixar o espaço vazio. Alguém que vive aqui não vive ao mesmo tempo ali. A presença não é levada a sério porque ela é referenciada por uma ausência.

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