sábado, 17 de abril de 2010

Bedada - Safita - Síria (em uma hora)

Uma nova vila substituiu a velha. Bedada, o vilarejo natal do meu pai, na Síria, havia se transformado em um ponto turístico. Eu, Rejane e Júlia fomos para lá um pouco antes, e eu acabei entrando na vila pelo caminho mais longo, enquanto meu irmão Saumar e minha mãe Claude entraram pela saída da estrada mais próxima à casa do meu avós, Issa e Nagibé, já falecidos. Inicialmente eu mal reconheci a rua do meu avô, que havia se tornado um calçadão forrado de madeira, com cafés, casas, lojas, tudo muito cuidado e bonito. Então comecei a reconhecer as proximidades da casa, e vi meu irmão Saumar chegando, e dei um abraço nele, ambos emocionados.
O muro da casa estava maior, sem pintura. O portão tinha outra cor, não era mais verde. Meu pai nos recebeu de terno claro, muito alinhado e magro, muito seguro de que tinha feito as reformas que queria na casa. Ele tinha um ar confiante e tranquilo. A casa estava com o piso superior pronto. Havia uma rampa que saia do portão de entrada e dava acesso ao novo andar, que tinha janelas grandes e que lembravam as janelas dos palácios de Aladim e outras histórias, com o formato de pinhão na parte superior. As luzes já estavam acesas, naquele fim de tarde emocionante. Meu pai nos guiou, e mostrou as reformas na parte inferior. O quarto dos meus avós permaneceu parcialmente inalterado, dando de frente para o portão, como sempre, porém agora era uma saleta, sem deixar de ter a cara de antes. O resto havia sido reformado completamente, modernizado. Eu, Re e Júlia saímos. Estávamos na Síria, na época do Natal. Havia um coral organizado por uma moça, que cantava músicas sacras bizantinas. Júlia tentava se comunicar com outras crianças na rua. E pedimos para a maestrina nos deixar cantar também. As crianças que estavam com Júlia também quiseram participar.
Entramos no espaço, um pequeno jardim cercado por uma mureta com pequenos pedestais em nichos em todo o seu perímetro, como tivesse sido feito para imagens de santos, porém sem nada. Cada um de nós subiu, e a maestrina começou a nos orientar. Minha mãe ficou de frente para mim, e quase caiu. Rejane e Júlia ficaram ao meu lado. Aos poucos me lembrei da música que cantávamos na igreja ortodoxa aqui do Brasil, mas agora não me recordo. Acordei chorando, sentindo que preciso ir para a Síria o mais breve possível, não pelas terras, não pela casa, nem mesmo pelos familiares de lá, embora eu queira todos bem. Preciso ir por mim, pelo meu irmão, pelo meu pai e o que ficamos devendo a ele, e a nós mesmos, uma conexão, uma re-ligação com a origem, algo necessário para que passemos ao próximo nível nas nossas vidas. Estamos precisando de comunhão e religião, meu irmão. Precisamos passar isso adiante, para a Júlia, para os seus futuros filhos, para nossas esposas... mas antes, principalmente precisamos resgatar uma parte de nossa capacidade de amar a nós mesmos, um certo orgulho, que foi perdido, que perdeu o objeto quando nosso pai se foi: a sensação certeira de existir um ponto de partida, uma origem. Resgatar aqui para mim, significa recuperar, da nossa forma, esse amor, essa tranquilidade, para que nossa vida tenha de volta esse pedaço de significado de que nosso pai era guardião.

2 comentários:

Durval disse...

Que legal este post... o melhor dos que eu li.

José Henrique ARTIGAS de Godoy disse...

Oi querido Bab's, que lindo texto. Fiquei emocionado. Além de literariamente comovente, é uma aula de Antropologia, sobre cultura, reciprocidade, vínculos simbólicos, identidade. Gostei muito.
Bozo