sábado, 31 de outubro de 2009

40 dias na Síria - Parte II

Mais uma parte da minha viagem à Síria em 1986.
Meu avô materno Yourghaki, aqui no Brasil, me pediu para entregar uma carta a seu irmão mais velho, Abdalla, em sua cidade natal, Latkie (ou Latáquia), cidade litorânea a noroeste da Síria. Eu, então com 16 anos, era um homem com uma missão. Tive que interromper as caminhadas às plantações de oliveira do meu avô Issa, as partidas de Basra com minha avó Nagibé, as caminhada na beira da estrada ao por do sol e reuniões para beber e fumar com os rapazes mais velhos da aldeia (eu andava com gente de mais de 20 anos, sendo que só tinha 16. Era difícil para mim andar com caras da minha idade na Síria, pois era tudo muito diferente, um rapaz de 16 anos de uma grande cidade como São Paulo já tinha muita história pra contar a rapazes sírios de 20 anos àquela época).
Peguei um lotação, uma caminhonete Toyota, até a cidade de Safita, cerca de 10 km de distância de Bedada. Fui instruído pelos meus tios sobre quais conduções deveria pegar e para onde. Em Safita, tomei um ônibus urbano que seguia cheio de galinhas pela paisagem predominantemente árida da Síria, até chegar em Latkie. Telefonei para o Tio Abdalla, meu primo foi me buscar em sua scooter.
Lembro-me de Latáquia como uma cidade grande e ocidentalizada, para os padrões das cidades Sírias. Cidade litorânea de clima mediterrâneo, as pessoas me pareceram um tanto mais soltas do que em outras cidades. Era a segunda ou terceira vez que eu ia à Latkie na vida. Na última vez, embora meus pais viessem a me dizer que era impossível, eu juraria ter ido com meu tio-avô Abdalla a um MCDonald´s que vendia frango assado com molho de alho em potes semelhantes aos do molho barbecue. Se não era o MC, o dono do local tinha se inspirado em uma casa da franquia E no logo, pois me enganou direitinho.
Como sempre acontece na Síria, fui muito bem recebido, não me lembrava quase nada dos parentes de lá. Passei apenas um dia na cidade, queria voltar logo para Bedada, me sentia bem por lá. Em Latkie, fizeram um jantar no dia da minha chegada, e fiquei hospedado na casa do meu tio-avô. Várias pessoas da família compareceram. Meu primo da lambreta, cujo nome agora me foge, foi o responsável pelo tempero de um Tabule diferente de todos que eu já havia provado. Se não me engano chamavam de Tabule Turco. Dentre outras diferenças, este levava melado de uva no tempero, ficando com um tom adocicado e levemente azedo. Descobri que na Síria se utiliza a uva verde no lugar do limão, principalmente em julho-agosto, quando as parreiras estão cheias de uvas amadurecendo para a colheita de final de agosto-setembro. Enquanto isso, os limoeiros e outros cítricos, cuja safra é no final do ano (época de inverno, neve e chuvas na Síria), estão mais vazios.
Em Latkie, embora todos fossem agradáveis e hospitaleiros, eu não me sentia verdadeiramente ao redor de minha família. Talvez porque ali, a ruptura já havia se dado há muito tempo de modo definitivo. Ninguém esperava a volta do meu avô materno Yourghaki. Ele, por sua vez, não dizia aos filhos que um dia iriam assumir suas terras, como meu pai dizia a mim e meu irmão. A relação entre Yourghaki e sua família estava resolvida, não havia pendências ou comprometimentos. Não havia promessas não cumpridas.

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