sexta-feira, 5 de junho de 2009

17 Anos Depois do Exílio - parte 1

A postagem anterior fatalmente me lembrou de episódio muito mais relevante, a primeira vez que fui à Síria.
O partido Caumi Suri (Nacional Social Sírio, fundado na década de 30 por Antoun Saadeh, e do qual meu pai fazia parte), conforme citado anteriormente, esteve proíbido na Síria durante 17 anos. Havia então 17 anos que meu pai, Hanna Hajjar, imigrara ao Brasil e não via seus pais, irmãs, amigos, sua terra. Ele havia saído jovem, e em 1979 tinha cerca de 40 anos de idade, casado e dois filhos, eu e Saumar. Foi qundo veio a anistia, e finalmente fomos conhecer a tão sonhada e falada Síria, terra das oliveiras, uvas, figos e lendas, a terra do meus avós.
Basicamente, eu só os conhecia pela leitura em voz alta das cartas periódicas que meu pai trocava com meu avô desde a partida. Quando uma carta chegava, meu pai festejava, reuníamo-nos ao redor dele enquanto a leitura em voz alta acontecia. Meu pai elogiava a letra do meu avô e me dava o envelope do qual eu retirava o selo para minha coleção. Durante a leitura, interrompida o tempo todo pelas minhas dúvidas sobre a língua árabe, éramos transportados para a Síria. Meu avô contava da colheita, se havia chovido ou não, se tinha feito muito frio na época de chuvas, contava dos vizinhos, perguntava por mim e pelo meu irmão, perguntava quando iríamos para lá, que ele queria conhecer os netos, que minha avó estava cansada e queria que fôssemos para lá. A oportunidade enfim havia chegado.
Saímos do Brasil nos últimos dias de dezembro de 1978. Fizemos escala em Copenhagen, onde passamos o Reveillon e onde eu e meu irmão vimos neve pela primeira vez. Graças ao aquecimento central, ao frio e à eletricidade estática (não sei bem ao certo a explicação, mas na época era a menor das minhas preocupações), nos divertíamos no saguão do hotel friccionando os pés no carpete e dando pequenos choques em qualquer um que encontrássemos pelo caminho.

Fomos para Damasco, um voo de 5 horas, e ficamos hospedados na casa da minhatia Naíma, casada com Malek Tannous, advogado que trabalhava para o governo

Sírio (na Síria de 1978 ou se trabalhava para o governo, ou se plantava ou se trabalhava parao governo...). Eles tinham três filhos, da mesma faixa etária que eu e meu irmão... brincávamos muito, ficamos íntimos rápido, eram as pessoas mais próximas da gente na Síria, no meu entendimento.

No dia seguinte fomos para a aldeia do meu pai, Bedada, próxima à pequena cidade de Safita. Em Damasco também havia neve (talej, a mesma palavra para gelo), idem na estrada em alguns trechos. Trezentos km nos separavam de Bedada, e a viagem parecia nunca acabar, principalmente por termos ido em 4 adultos e 5 crianças em um carro semelhante a uma elba. A Síria tinha muitos caros velhos e também carros europeus de último tipo, para quem podia pagar o frete terrestre desse tipo de carro.
Chegamos no fim do dia à Bedada. À medida em que o carro ia descendo a ladeira da estrada em direção à casa dos Hajjar, um tumulto se formava ao nosso redor. Saímos, e recebemos muitas mãos, abraços, muitos cumprimentos, gritos, cantos. À porta da casa do meu pai, estava o velho Issa Hajjar, o Abu Hanna, e um amigo, segurando um bezerro já bem crescido pelos chufres, um de cada lado. Quando meu pai pôs o pé na soleira, meu avô cortou o pescoço do bicho, e o sangue encharcou nossos pés. Um sacrifício que significava a felicidade de ter o filho de volta após tantos anos.
O sangue do animal manchou o chão do quintal da casa por muito tempo. E a casa estava em festa permanente, aberta para quem quisesse entrar e conhecer a família de Hanna Hajjar - em uma aldeia de cerca de 3000 habitantes, éramos a novidade. Todos os dias havia churrasco, música, jantares, sobremesas, conversas, reuniões do partido. Todas as crianças tinham perguntas sobre o Brasil, sobre Pelé e outros do futebol. Meus pais planejaram uma grande reforma na casa. Naqueles tempos, o mundo dos meus pais estava apenas começando e, com o retorno à Síria, talvez recomeçando. Suas alegrias eram seus sonhos, e seus sonhos eram a expressão de uma realidade a ser conquistada.

Nenhum comentário: